Rua Vazia


Numa rua vazia caminho em passadas largas, como levado na corrente de pessoas à hora de ponta. Mas o vazio é o meu único acompanhante. Não tenho nenhum compromisso, nem ninguém a quem ligar. Sou eu, e o vazio que na rua me acompanha a passadas aceleradas que me levaram a perder-me, já há um tempo. Sem uma única vez ter dado uma em direcção à minha procura. Deixo-me pelo caminho, sinto apatia quanto a esse facto.
Por acidente, tropeço em alguém, na minha passada longa. Conhecemo-nos, faz-me abrandar, pensar que seria melhor encontrar o que perdi e voltar a casa. À minha própria casa. Conversamos horas, dias, semanas, sobre tudo o que poderia ser falado. E a meio do meu discurso leva-me ver ao fundo, numa luz ofuscante, um desejo desfasado de me procurar. A mim, a quem um dia eu fui. Um dia olho fixamente nos seus olhos, de tal modo que, pela expressão, deve incomodar. Num gesto inconsciente, a minha cabeça anui. Não conseguia aproximar-me, algo me fazia sentir constantemente à beira de uma ravina. Algo esse chamado entrega. Voltei à rua vazia ausente de mim, onde comecei. Na inércia da qual minha cama é feita, sigo o meu ritmo nas passadas que pensei serem da correria característica da hora de ponta. Mas afinal são as minhas. Como tudo na vida, esse alguém desapareceu.
É por isto que passarei a minha vida a esconder o meu coração. E eu não conseguirei esconder o meu coração toda a vida.

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